domingo, 1 de novembro de 2009

Padre Júlio Maria: Missionário Jornalista em Natal

Rio Grande Do Norte


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

Padre Júlio Maria: Missionário Jornalista em Natal


 


 


 


 


 

1927 – 1928


 


 


 


 


 


 

Índice


 


 


 


 


 


 


 


 

  • A torre de São Pedro
  • O São Pedro da Torre
  • Milagre de São Pedro
  • Os Anjos de São Pedro
  • Esse São Pedro!...
  • Ainda São Pedro!
  • Olhe! São Pedro!
  • Lá vai o São Pedro
  • Lá está o São Pedro
  • Viva o São Pedro!
  • O triunfo de São Pedro
  • A torre de São Pedro
  • A torre de São Pedro
  • A torre de São Pedro


 


 


 


 


 


 


 


 

01-        A TORRE DE SÃO PEDRO


 

Diário de Natal – NATAL – RN, 11 de novembro de 1927.

Pe. Julio Maria De Lombaerde


 

Hoje, todos os filhos de Natal rivalizam-se no afã glorioso de embelezar a sua capital.

De todos os lados nota-se uma verdadeira eclosão de arte, de bom gosto, de modernismo, de progresso, admiravelmente estimulado pelo nosso digno prefeito municipal, que soube em pouco tempo transformar, quase idealizar as ruas e as avenidas da nossa cidade.


 


 


 

    
 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

Padre Júlio Maria com os Missionários da Sagrada Família –

sua Congregação – em Alecrim, Natal em 1926 quando retornou de Belém, PA.


 


 

Alecrim não pode ficar atrás nesse movimento, tanto mais que hoje o Alecrim não é mais um simples subúrbio, mas sim um centro vivo da cidade, uma artéria deste grande corpo.

Para quem atravessa o populoso Alecrim, o primeiro e principal edifício que se apresenta é, sem dúvida, a bela igreja de S. Pedro.

Subindo a linha do Alecrim, a igreja de São Pedro levanta-se bela, harmoniosa, artística, numa altura donde domina toda a cidade, mas cuja estética era tão dolorosamente mutilada pela sua torre inacabada.

Todos sentiam esta falta… todos desejavam que se terminasse um edifício que proclama tão alto o espírito religioso, a generosidade e o bom gosto do povo de Natal.

Mãos á obra pois!

Não há dinheiro, gemia um.

Não há material, acudia outro…

O algodão está baixando, chorava outro.

A crise é grande, lastimava mais um.

O tempo está ruim, pranteava um compadre.

E tudo está caro, suspirava a comadre…

E como se fosse ladainha todos respondiam: Amém, amém!

Pois bem, se, para levantar uma torre alta, bela, artística, harmoniosa, é preciso dinheiro, materiais, artistas, pedreiros etc… saiam lá donde quiserem e puderem, porém nós precisamos da nossa torre de São Pedro.

Onde há força de vontade tudo se faz. Onde há perseverança, há triunfo.

E eis que a torre de São Pedro está se levantando, altaneira e majestosa… está subindo, elegante, esbelta, que nem o Jahú, penetrando as nuvens e dominando a cidade.

Passando no bonde novo, amarelo, silencioso, ultimamente chegado, mais de um passageiro e muitas passageiras, fechando o olho esquerdo, colocavam a mão sobre o direito para melhor ver, e exclamar:

Caramba! Isso vai mesmo!…

Pois não!… tem que ir!

Pela barba de Aarão, diria o Judeu, o negocio vai!

E eu digo, pela generosidade e pelo bom gosto do nosso povo tem que ir adiante!...

E até onde irá ela? Alto! bem alto, para que do alto da flecha, São Pedro possa mostrar a todos os natalenses as chaves do reino do céu que o Divino Mestre lhe entregou!... Pra que cada filho da Potiguarânia possa dizer aos séculos vindouros: Olhem isso é nossa obra!

Digo: Nossa. A Catedral, Santo Antônio, o Rosário, o Bom Jesus, são obras de nossos pais e nossos avós. São Pedro é nossa obra... Nossa: lá do tempo, dirão os netinhos, que Dr. José Augusto era presidente, Dr. Omar O'Grady prefeito, no tempo em que o Jahú pela primeira vez atravessou o Oceano e que em Parnamirim pousaram as asas francesas.

E lá se vai subindo a torre de São Pedro, carinhosamente sustentada pela caridade pública, pelo óbulo do rico e do pobre, de todos os amigos de São Pedro.

E quem não quer ser amigo do claviculário do céu?

Para terminar a obra, faltam ainda perto de nove metros de altura.

É muito...muito!

Sim, porém, não é nada, em comparação do que é capaz de fazer o povo de Natal.

Querem ver?

Pois bem, hão de ver!

Vamos publicar a lista dos donativos, que diariamente nos são remetidos. E esta lista será comprida.

O Diário, talvez, seja forçado a juntar um suplemento às suas edições.

Começamos pela torre. O governo é a torre da sociedade.

As duas autoridades supremas são drs. José Augusto e Omar O'Grady, ambos conhecidos demais pela sua generosidade e ideal de progresso, para que seja necessário relembrá-los aqui.

É preciso abrir uma lista dos donativos. Comecemos hoje... aqui mesmo.

Eu não hesito em assinar por eles.

Depois, os outros amigos da religião e do progresso, hão de seguir numerosos, decididos, generosos, para oferecer um presente a S. Pedro.

Este presente pode ser remetido ao Vigário de Alecrim, ao Diário, e as pessoas encarregadas, por escrito, de recebê-los.

Como ficará grato S. Pedro!


 


 


 


 


 


 


 


 

02-        O SÃO PEDRO DA TORRE


 

DIÁRIO DE NATAL – NATAL – RN, 13 de novembro de 1927

Pe. Julio Maria De Lombaerde


 

Já falei da Torre de S. Pedro, hoje quero falar do S. Pedro da Torre.

Não julguem ser por autonomásia, trata-se verdadeiramente do São Pedro da torre.

Estou vendo daqui o espanto, a dúvida, o sorriso cético de uns leitores, enquanto sussurram ao compadre vizinho.

- Essa!… é mais uma da barba do frade!

- Não senhor; é do frade da barba, e não da barba do frade.

Seja como for, o que é certo é que São Pedro terá sua torre, uma torre verdadeira, que, sem alcançar a altura da torre Eiffel, em Paris, dominará, entretanto todas as torres de Natal.

É já uma coisa: é até a coisa principal, porém, para completar o projeto, fiquei matutando com meus botões que, se São Pedro tem uma torre, a torre também podia ter o seu São Pedro.

E como é isso?

Muito simples!

Em vez de colocar a cruz tradicional, encimando a flecha da torre colocar-se-ia uma estátua de São Pedro, tendo nas mãos as simbólicas chaves e uma forte lâmpada elétrica.

Deste modo, a torre de São Pedro seria um farol luminoso, um holofote admirável que serviria de perto e de longe, na terra, no mar e no firmamento de point de repoire, indicando o centro da cidade de Natal.

E como São Pedro, nestas alturas, dava à nossa cidade uma feição de progresso, de arte, de poesia e de estética altaneira.

Como do alto da torre, tal na porta do paraíso, S. Pedro estenderia suas chaves, e mostraria a todos, num gesto carinhoso, o caminho a seguir: o caminho aos bravos bandeirantes do ar, aos intrépidos navegantes do mar, aos pacatos passeantes do bonde, e aos exaustos caminhantes da estrada, como aos cegos tripulantes do erro e do pecado.

Todos eles precisam do farol de São Pedro: do S. Pedro da torre.

Seria de um efeito fantástico, deslumbrante, à noite… e de dia de uma grandeza impressionante, imponente.

Nenhum viandante ou turista que passasse em Natal, deixaria de ir admirar, tanto e mais, o S. Pedro da torre, como a torre de São Pedro.

A idéia é viável!

Quem vai lhe dar vida, movimento e execução?

Quem?

E este nome será gravado no pedestal de São Pedro para o Santo não esquecê-lo, na porta do céu.

Quem terá a honra de fazer subir São Pedro no alto do Corcovado Natalense?

Para corresponder à altura que há de ocupar, a estátua deve medir, pelo menos, dois metros de altura, e ser de cimento armado, oco por dentro, para evitar o peso exagerado.

Temos cimento, graças à generosidade do Dr. José Augusto. Falta apenas a mão de obra.


 

Não haverá em Natal qualquer artista, operário ou curioso que queira moldar a estátua, e uma alma generosa que tome a si a pequena despesa deste serviço?

Há de certo um e outro.

Em breve, estaremos a ver surgir do fundo de uma barrica de cimento, guiado pelos dedos mágicos de um artista, uma esplêndida estátua de São Pedro.

Será o São Pedro da torre, ou melhor, o São Pedro do Alecrim.

Será uma propaganda esplendida para a casa que executar esse trabalho, como será uma contribuição única ao embelezamento da Cidade.

O Rio de Janeiro possui seu Cristo Redentor, Natal terá seu o São Pedro.

Com força de vontade, tudo se faz e tudo se alcança.

E em Natal há força de vontade; o São Pedro do Alecrim será mais uma prova.

Realizado esse alvitre, seguirão mais tarde outras propostas, não menos progressistas e simpáticas, capazes de fazer concorrência aos nossos laboriosos prefeito e governador do Estado, para aformosear a nossa capital, e fazer dela, em breve, uma das mais lindas, mais saudáveis e mais atraentes cidades do Brasil.


 


 


 


 


 

Igreja de São Pedro antes de 1912.


 


 


 


 


 


 


 

    

03-        MILAGRE DE SÃO PEDRO


 

DIÁRIO DE NATAL – NATAL – RN, 20 de novembro de 1927.

Pe. Julio Maria De Lombaerde


 

Bem sabia que S. Pedro havia de fazer um milagre!

O milagre está feito.

Digam agora que "Santo de casa não faz milagres"…

São Pedro é bem da casa: é o Padroeiro da Paróquia do Alecrim, e entretanto o milagre se fez.

É verdade que não foi somente São Pedro, houve um companheiro.

Apenas tinha aparecido o artigo do DIÁRIO "O São Pedro da Torre" logo se apresentou no Alecrim um jovem artista, conhecido já pelos seus talentos, e, sem rodeios, com uma graça de gentleman, declarou estar pronto a fazer a estátua de S. Pedro da torre.

O gesto é digno daquele que soube fazê-lo tão delicadamente.

Fiquei quase desconcertado diante de tanta fineza, porém a figura aprumada e insinuante do artista, seu trato impecável e seu fino sorriso, restituiram-me um pouco da verve gaulesa, com que gosto de encarar o problema da vida.

Não queria ofender à modéstia do generoso professor, que tão delicadamente incumbiu-se de ajudar São Pedro para completar o milagre; mas também não quero passar por quem não sabe agradecer os benefícios recebidos e prometidos.

O artista chama-se Hostílio Dantas, o festejado escultor do busto de João Maria.

Depois de reproduzir os traços dos Santos da Terra, o Sr. Hostílio Dantas vai voar mais alto e pretende reproduzir os traços dos Santos do Céu.

Se a poesia consiste em dar asas ao pensamento, a escultura consiste em dar vida a um bloco de pedra, e até ao poeirento cimento.

E o Sr. Hostílio Dantas vai realizar este milagre!

Quem mais tarde passar diante da torre de São Pedro, há de parar e contemplar o São Pedro da Torre, e colocando a mão esquerda na fronte e a direita na bengala para evitar vertigens, piscando os olhos para a estátua, sentirá vontade de repetir a palavra de Miguel Ângelo, diante do Moisés do Vaticano: "Fala"!

O São Pedro será tão expressivo, tão parecido, que lhe faltará apenas a palavra para ser um S. Pedro vivo.

Ele será o milagre do artista Sr. Hostílio Dantas.

São Pedro fez o milagre de inspirar-lhe ainda o modelo… e Hostílio Dantas, completará este milagre, dando-lhe vida, asas e quase palavras.

Que bela obra prima vamos brevemente admirar! Será um monumento digno de São Pedro, digno da cidade de Natal e digno do artista.

Só mesmo o Sr. Hostílio Dantas para satisfazer a tantas exigências.

Meus parabéns a São Pedro de ter suscitado o homem capaz de tomar a si a execução de tão grande e tão importante monumento.

Meus parabéns ao artista que tão generosamente e tão nobremente sabe empregar o seu talento para a glória de Deus e a honra da pátria brasileira.

Meus parabéns também à cidade Natal, que vai contar com mais um monumento importante, uma obra prima, proclamando até nas alturas do firmamento seu bom gosto, seu progresso e seu ideal.

Precisamos de ruas bem calçadas, de avenidas bem arborizadas, de condição asseada, de passeios e bosques amenos e o que o nosso governo nos satisfaz os gostos e as exigências; porém precisamos também de edifícios que chamem a atenção pela sua estética, sua importância e sua novidade, e eis que o Sr. Hostílio Dantas, está satisfazendo até aos mais exigentes.

Terra feliz, Natal!

E isso é apenas o começo… que será pois o eterno?

Se eu fosse S. Pedro, ou pudesse substituí-lo um dia, umas horas, não meteria, sem dúvida, o Hostílio Dantas em cima da torre; mas dar-lhe-ia um trono no céu, tão alto como a torre de São Pedro.

Deixe estar, que São Pedro não é ingrato.

Eis, pois, feito o primeiro milagre do São Pedro da torre, antes mesmo de existir: falta agora o segundo milagre.

O artista dá a mão de obra de graça, dá os seus talentos, suas inspirações, seu coração, seus dedos… mais não pode dar.

O Padre Fernando dá o barro para moldar a maquete; o padre Agostinho dá suas pernas para correr, esmolar… eu posso somente dar a minha barba para aformosear o São Pedro, falta quem dê uma barrica de gesso para fazer o molde e uns níqueis para pagar um ajudante, carregado do material necessário.

Quem vai fazer isso?…

Ao ler este artigo, alma generosa, não hesite: vá logo ao vigário de Alecrim ou escreva um cartão que o negócio está feito, e o milagre completo.

Não demore, para que outros não o procedam neste torneio de generosidade.

Uns 200$000 dará para todas as despesas.

É uma ninharia, e desta ninharia surgirá a realização do nosso ideal, de ver São Pedro em cima da sua torre, no firmamento azulado, abençoando a todos e dando um carinhoso sorriso aos seus benfeitores.

Eis o milagre de São Pedro.

E este pedido uma vez realizado, veremos o "São Pedro do milagre" em continuação do "Milagre de São Pedro!"


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

04-        OS ANJOS DE SÃO PEDRO


 

DIÁRIO DE NATAL, NATAL – RN, 1927

Pe. Julio Maria De Lombaerde


 

Graças à generosidade de povo de Natal está em plena via de execução a célebre Torre de São Pedro… e será uma celebridade!

Graças à bondade e dedicação do artista Sr. Hostílio Dantas, teremos em breve nosso São Pedro da Torre. E será uma segunda celebridade.

Graças ao milagre de São Pedro a idéia tomou vida, tornou-se realidade.

Para fazer uma obra-prima, são sempre exigidos dois fatores essenciais: um artista e o material.

O primeiro ofereceu-se espontaneamente; o segundo não tardou; e eis que uma pessoa dedicada se ofereceu generosamente para cobrir as despesas do material necessário à confecção da estátua.

O generoso benfeitor é o dono da casa Lafayette, casa já conhecida pelos finos cigarros, que fazem as delicias dos fumantes, e agora conhecida também pela generosidade com que cerca e ajuda as obras religiosas.

A Casa Lafayette pediu o orçamento das despesas da estátua de São Pedro, e encarregou-se das mesmas.

É um gesto digno do Sr. Moreira, e sócios, que há de atrair sobre os seus negócios a bênção divina e a proteção de São Pedro.

No céu, os Anjos não fumam, por isso, não prometo à Casa Lafayette, encomendas de São Pedro, porém que ele não pode fazer, os seus amigos da terra hão de fazê-lo.

Eis, pois, o milagre completo.

Vamos adiante – ainda há coisa boa, como há muita gente boa.

São Pedro está seguro, a existência material de sua imagem é um fato, porém, não há só o S. Pedro.

A bela torre da igreja comporta quatro belos Anjos de um metro e cinqüenta de altura, que devem cercar o chefe dos Apóstolos.

Após o quarto do relógio, que já está terminado, vem o quarto dos sinos que se está construindo, com uma grande coluna em cada canto e duas colunas menores ao lado de cada uma das quatro janelas.

Após o capitel, de ordem Corinto e a arquitrave que separa o quarto dos sinos e o observatório superior, ficam em pé, em cima da cimalha, quatro Anjos, de 1m50, formando os quatro cantos do observatório e a base do teto.

Cada um dos Anjos alados terá nas mãos um archote, terminado por uma lâmpada elétrica, destinada a iluminar as quatro faces da torre.

A cimalha superior será rematada por uma balaustrada no estilo da igreja, para dar início ao teto, em forma de cúpula e terminado pela peanha, destinada a receber a imagem de São Pedro.

Brevemente será publicado o desenho completo do edifício para os benfeitores poderem julgar de seu efeito imponente e talvez único, na cidade de Natal.


 


 


 


 


 

Prometeu se erguer um monumento digno de São Pedro, e nada será poupado para que se realize a promessa e o ideal entrevistado, e que a bela obra começada delineada e executada pelo Pe. Fernando Nolte (MSF), que é o construtor da igreja de São Pedro, seja completada condignamente, na última parte que lhe falta.

A torre de São Pedro, como o S. Pedro da torre devem figurar entre as obras mais belas, mais estéticas e mais imponentes do Estado, ao ponto de excitar a admiração dos Estados vizinhos.

Os aviadores cruzando o firmamento; os navegadores o oceano; os calvagadores, cruzando os atalhos; os viadores, cruzando os caminhos; os ambuladores, cruzando as cidades; os autoesmagadores, cruzando as pernas da gente; os carregadores, cruzando as avenidas e; bondeadores, cruzando uma capital, e tantos outros ores e dores todos sofredores e lutadores da vida, todos eles ao passarem diante da torre de São Pedro hão de parar um instante sua curva vertiginosa ou espinhosa para admirarem a estátua do grande PESCADOR, escolhido pelo Salvador do mundo para ser o primeiro chefe da sua Igreja, o Primeiro Papa, o claviculário do Céu!

Hão de parar, digo, enquanto exclamam, como os portuguesas ao deixar Pernambuco "O'linda!…" donde o nome da cidade de Olinda.

Mas, voltemos à realidade, deixando o porvir no casulo verdejante das esperanças.

O artista Sr. Hostílio Dantas, moldará igualmente os quatro anjos… porém falta quem –, como a Casa Lafayette para o S. Pedro – faça a despesa do material dos quatro anjos, ou melhor de cada um dos quatro Celestiais...

É barato! Como diz o sírio ambulante do Alecrim!

Cada anjo fica orçado em 100$000. Uma ninharia para gente rica.

Quem vai querer adotar um destes anjos? Que digo?… Devia dizer: venham depressa enquanto é tempo, pois é quase certo que hoje mesmo quatro famílias de Natal apresentar-se-ão no Alecrim, para deter, para si, a honra de ver a sua família representada aos pés de S. Pedro, na pessoa de um destes anjos.

O nome do doador, ao lado do nome do artista será gravado no pedestal respectivo.

Mãos à obra… e dois dedos no bolso ou no cofre para sacar uma pelega de 100$000. Uma só!

Como os bons anjos do céu ficarão sorrindo lá do alto, ao ver este ato de generosidade? E como este sorriso há de inspirar o artista para nos fazer anjos sorridentes, meigos, cujo semblante bondoso e atraente há de consolar mais de um transeunte, e cuja mão benfazeja há de abençoar a família, cuja generosidade lhe deu um trono, aos pés de São Pedro.

Lembrai-vos dos anjos de São Pedro… para que os anjos se lembrem de vós!…


 


 


 


 

05-            ESSE SÃO PEDRO!…


 

Diário de Natal – NATAL – RN

Pe. Julio Maria De Lombaerde


 

Esse nosso São Pedro está fazendo coisas!… coisas mesmo do outro mundo.

Imaginem! Apenas saiu o artigo de Anjos de S. Pedro, logo começou uma verdadeira explosão de generosidade entre as pessoas boas de Natal…

Era quem primeiro adotasse um deste Anjos.

Conforme o conselho dado, foi mãos á obra, e dois dedos no cofre, para dai sacar a mais bela pelega de 100$000 e remetê-la ao vigário do Alecrim.

Eu estava matutando já o que deviam representar estes quatro anjos.

As virtudes teologais?… Sim, mas, são só três e os anjos são quatro.

Em numero de quatro, temos os fins do homem: Morte, juízo, inferno e paraíso.

Porém isso é triste demais… Não, não! Os homens precisam muito lembrar-se destas grandes verdades; porém representar o fogo do inferno em cima de uma torre, isso não vai!

E os inimigos da alma? O catecismo diz que são três.

Isso também não vai. Como meter os pés de São Pedro um Satanás?

Isso dava tremeliques às crianças, e era capaz de assustar as almas angelicais!

Isso não vai!

Estava assim absorto nas futuras belezas da torre de São Pedro, quando bateram palmas.

Procurei sacudir as minhas preocupações, para não fazer cara feia aos visitantes.

Quem será?

Quem sabe se não é negócio dos anjos da torre?

Era um senhor distinto, delicado, com modos de gentilhomem.

Quem será?

E antes que tivesse o tempo de torcer o bigode ou alinhar a barba, vi brilhar diante de mim uma pelega nova, bonita (até as estragadas são bonitas para o pobre) de… 100$000.

Senhor Padre, disse o ilustre visitante, segui o seu conselho; e desejando adotar um dos anjos da torre em lembrança de minha filhinha sepultada aqui no Cemitério do Alecrim, meti os dois dedos no cofre para sacar a mencionada pelega de 100$000, que lhe entrego para o fim indicado.

Era o primeiro.

Não quereria melindrar modéstias, porém exempla trahunt, diz o provérbio. O generoso doador foi o Dr. Xavier Montenegro, juiz de direito da 1ª vara da capital. Devo nomeá-lo e até o cargo por ele ocupado, pois é para mim o dedo de Deus.

O digno juiz de direito retirou-se, e eu interrompi minhas meditações para saber o que deviam representar estes quatro anjos. Agora, não havia mais dúvida possível.

Um juiz, foi o homem inspirado por São Pedro, para lembrar-se que juiz é sinônimo de justiça, e que a justiça é uma das virtudes cardeais, que são quatro.


 

1 – Prudência;

2 – Justiça;

3 – Fortaleza;

4 – Temperança.

Homem! Como foi que eu não me lembrara disso? Era tão natural, tão lógico, como o ovo de Colombo, que ninguém soube por firme na ponta aguda, e que Colombo, com uma leve pancada que quebrou a ponta do ovo, sentou-o firme em cima da mesa.

Os quatro anjos hão de representar as quatro virtudes cardeais, entre as quais já figura a justiça, colocada por um juiz de direito.

Faltam os três outros.

O que?!

Apenas o Dr. Xavier Montenegro saíra da casa, ouvi ressoar um passo militar, ritimado, qualquer coisa que me lembrou a fortaleza, outra virtude cardeal.

O militar é o símbolo, a representação da fortaleza; e quem se apresentou era deveras um militar, um verdadeiro militar, um oficial, em carne, osso e farda.

Quase ia esquecer-me que sou padre e juntando os calcanhares, aprumando o busto, espichando o pescoço, ia levantar a mão direita ao Kepi, como se estivesse com os meus 20 anos, saudando de passagem o marechal Foch ou Joffre; quando o militar declarou que eles também desejavam adotar um dos anjos da torre.

Pois, não, general!

Já temos o anjo da justiça, agora vai o anjo da fortaleza, do brio, da coragem, do patriotismo, da bravura.

E quase deixei escapar de soslaio:

Esse São Pedro está fazendo coisas… porém contive-me e perguntei pelo nome do generoso ofertante.

A graça de vossa excelência?

Um Navegante, nada mais; foi a resposta.

Pois bem, fique para "Um Navegante" o anjo da fortaleza.

Eis, pois dois anjos que tomaram já posse de seu trono, aos pés de São Pedro.

Espero que os celestiais não hão de acusar-me de querer arrancá-los da glória, para colocá-los aqui em cima de uma torre, expostos a todas as ventanias, aguaceiros e temporais do firmamento terrestre.

Verdade é que não faltam no céu, nem anjos, nem Santos, e aqui neste planeta terreal, nós precisamos tanto deles.

Para a paz e a tranqüilidade dos amigos protestantes, devo dizer que tal linguagem é metafórica, e que as estátuas de anjos, como a de São Pedro, são

Apenas imagens ou retratos de Santos, enquanto o Santo Verdadeiro fica muito bem sossegado no Céu.

Para completar a torre faltam ainda dois anjos, representando um a prudência e outro a temperança.

Um já está quase prometido…

Apressem-se, pois as pessoas generosas que desejam representar a família, ou qualquer membro da família, por um dos belos anjos da torre.

A justiça e a força já estão representadas… Quem adotará o anjo da prudência e da temperança?

Duas virtudes cardeais, importantíssimas.

A justiça e a força são o próprio dos homens: por isso vieram dos cavalheiros. A prudência e a temperança são as virtudes, ou deveriam ser as virtudes, denominantes das senhoras.

Vejam lá as senhoras, e após uma breve palestra com o marido ou o noivo, venham dar o nome como madrinhas dos dois anjos, que só esperam uma palavra, para subir ao alto da torre.

Ah! Se eu fosse rico!… corria já ao Alecrim, enquanto é tempo…

Amanhã, talvez, esteja o lugar ocupado!

E uma vez em cima, os anjos não descem mais!


 


 


 


 


 

Padre Júlio Maria, logo após a sua chegada ao Brasil,

1912 em São Gonçalo do Amarante – RN.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

06-            AINDA SÃO PEDRO!

Diário de Natal – NATAL – RN, 1928

Pe. Julio Maria de Lombaerde


 

Deveras, São Pedro tem um amor de predileção à sua Igreja do Alecrim.

Não há dúvida!

Nem pode haver dúvida.

Quando se começou a levantar a torre, o vigário estava rico de boa vontade e pobre de níqueis, para um empreendimento orçado em cerca de dez contos de reis, e não em contos de vigário.

Principiou com uma caderneta de uns 400$000, recolhidos, vintém por vintém, pelo saudoso Pedro Soares. Isso, porém, nem para os andaimes dava.

Onde cavar tanto dinheiro? Uma quase fortuna, nestes dias de vida cara e de pingues recursos. Onde? Mas, é muito simples!

São Pedro que tem as chaves do reino do Céu, as tem dos cofres e dos bolsos, até dos segredos e combinações logogríficas ou logomáquinas.

Ele há de mostrar que não é simplesmente metafórica tal asserção.

Lá se foi o primeiro artigo – A torre de São Pedro

Apenas saído do prelo, ainda úmido de tinta, foi-se, tal um sorriso de criança, penetrando nos lares, nos cérebros e nos corações do nosso bom povo, provocando, não uma chuva de rosas, como a de Santa Teresinha, mas uma chuva de cobres, de níqueis e de pelegas nacionais, no chapéu, um tanto esverdeado, do vigário do Alecrim.

Era quem chegasse primeiro para trazer o seu óbulo, em auxilio à construção da torre de São Pedro.

Começou-se… continuou-se… e de todos os cantos do Céu e da terra, iam brotando e surgindo recursos.

São Pedro mexia com a gente, com os cofres, os bolsos e os dedos… e lá iam voando pelegas, como borboletas no verão.

Até certos protestantes deram seu óbulo para São Pedro. Imaginem!…

Esse São Pedro faz coisas!…

Um segundo artigo segue o primeiro – O São Pedro da torre

Nova avalanche!… Vieram cobre, níqueis, prata, ouro, papel, material, uma dúzia de injúrias e duas dúzias de asneiras; tudo isso para São Pedro, ficando os dois últimos presentes como grampo de segurança.

E, acima de tudo isso, veio o artista Hostílio Dantas oferecer-se para moldar o monumental São Pedro da torre.

Quem fez tudo isso?

Ainda São Pedro!

O negocio nadava em água de rosas…

Ao ver tal triunfo, o velho Satanás, o Capiroto do inferno, lá no fundo do seu reino, ficou furioso, invejoso, ciumento, e, piscando um olho, faiscando relâmpagos, para a torre de São Pedro, sentiu-se gravemente ofendido.

"Como é isso? Berrou ele, abrindo uma boca horrível, e chispando faíscas: Como?" Esta gente levanta torre e estátua ao meu inimigo São Pedro, e nem se lembra de mim! Ah! Isso é horrível!… Eles me pagam esse insulto, já e já!"

O demo, iracundo em seu ódio e suas ameaças, deu quatro pulos no ar, brigou com os companheiros da geena, por não terem impedido a saida desses artigos, ameaçando engulir, de uma só vez, as máquinas, impressoras e rabiscadoras do Diário, se não parassem com tal propaganda.

O negócio foi sério.

O odioso e catingudo Lúcifer, lampejando relâmpagos, entrou na oficina do Diário, mordendo e pulando com tamanho furor, que chegou a desequilibrar uma das grandes máquinas!

Felizmente estava lá, suspensa na parede, uma imagem de Nossa Senhora.

Ao vê-la, Satanás berrou, bramiu, urrou como urso vermelho russo, diante de uma cruz, e, em quatro pulos e três quedas, estavam de volta ao seu subterrâneo infernal.

O prejuízo foi bastante extenso, e foram precisos 15 dias para reparar os efeitos do inesperado ataque.

E lá em cima, na porta do Paraíso, São Pedro ficou olhando, e sorrindo, à vista do Pânico, temor e da fuga precipitada do Satanás.

- "Pobre do diabo"! murmurou ele aos ouvidos do seu inseparável amigo São Paulo; pegou lá um susto no Diário, que nem mais lá voltará…

- Assim fomos indo, como Deus foi servido.

- A torre de São Pedro está subindo, alta, esbelta, elegante.

- O São Pedro da torre está sacudindo a poeira do cimento e mostrando, aos poucos, suas feições delicadas e simpáticas.

- Mas, eis que, de repente, sai um terceiro artigo: Os Anjos de São Pedro.

- E não foi só isso. Apenas saído do prelo concertado do Diário, eis que a boa gente de Natal corre a apadrinhar esses anjos.

- "Que coisa é essa? Grita Satanás esse frade terrível quer agora meter anjos na torre? Brrrrr!… Espera que te arranco já a barba e te enforco pelo bigode!"

- Isso já é demais!…

"Anjos em redor de São Pedro!"

"Falta meter o paraíso inteiro em cima desta torre, e nem se lembram de mim… nem uma estátua, nem um diabinho em redor de mim… Urra!… horror!… Frade, tu me pagas já está afronta!…"

E o frade a rir, em suas barbas, das carambolas e caretas desesperadas do pai da mentira.

Mas quem me livrará do perigo?

Ainda São Pedro!

E lá no Céu, São Pedro perguntou aos anjos quem deles queria figurar na torre do Alecrim. Todos levantaram o dedinho e sacudiram as brancas asas em sinal de consentimento.

São Pedro escolheu as quatro virtudes cardeais: Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança.

Lembro aos amigos protestantes que tal linguagem é metafórica, pois não quero escandalizar suas alminhas biblistas.

Eis, pois, que se apresenta no Alecrim a Justiça, representada por um juiz de direito. Está mesmo direito! Logo depois se apresenta a Fortaleza personificada num militar brioso. Todos os militares devem ser briosos!

Uns dias após, vem, voando prudentemente, ao longo do fio telegráfico, o Anjo da Prudência, mandado...


 

(Alguns destes artigos foram encontrados recortados e colados. O final deste artigo foi descolado pela própria ação do tempo e, apesar de um grande empenho, não foi encontrado).


 

07-            OLHE! SÃO
PEDRO!…


 

Diário de Natal – NATAL – RN, 21 de dezembro de 1927
Padre Julio Maria


 

Olhe! São Pedro! Estou com a faca na garganta, o negócio está ficando sério.

Não é o tudo de acabar, mas quero também satisfazer, contentar as pessoas generosas que tão abnegadamente me estão auxiliando na construção da sua torre.

Estou verificando que, no dizer do poeta: Verba volant et scripta manent – que as palavras voam e que os escritos ficam.

Isso é para os latinistas do Seminário e do Liceu.

Se eu tivesse simplesmente falado sobre os anjos da torre, umas boas pessoas de Natal me haviam ajudado, sem dúvida, e nisso teria ficado; porém caí na mania de me fazer jornalista e de escrever uns artiguetes que faziam rir a uns, chorar a outros e ranger os dentes a uns terceiros (isso só para quem tem ainda dentes).

E agora?…

O Diário, com seu bom sorriso – quando não está carrancudo, estende-se – foi espalhar estes artiguetes entre troianos, gregos, romanos e francos do Rio Grande do Norte, suscitando simpatias e amizades, despertando generosidades e iniciativas, abrindo cofres e bolsos, formulando promessas, umas sinceras, outras de conveniência social.

De tal forma que, em poucos dias, os quatro anjos de São Pedro foram adotados, apadrinhados, protegidos e legitimados como se fossem mimosos orfãozinhos, sem teto e sem carinho.

De fato… eles o eram… quem lhes deu agasalho, um sorriso e uma existência legal, foram os quatro padrinhos que os adotaram.

Muito bem! Como nosso povo tem bom coração!… até aqueles que tem cabeça ruim: mas isso é tão raro!

Os quatro anjos são, pois, uma realidade. Deles nem falemos mais: estão tão bem, tão alto, e breve estarão tão belos e sorridentes!

Pena é que sejam só quatro!

Se houvesse oito já estariam adotados, porém, só há lugar para quatro.

É este meu embaraço!

Estava para tratar de outro assunto quando um amigo de Natal – um verdadeiro amigo – e estes são tão raros hoje, um amigo ilustre e advogado ilustríssimo e católico super-ilustríssimo, disse-me, que ele também desejava adotar um anjo da torre.

Impossível, não há mais!

Umas horas depois se apresenta uma senhora vestida de luto, da melhor sociedade, pedindo a adoção de um anjo.

Impossível, não há mais!


 


 


 


 


 


 

No dia seguinte, uma piedosa Filha de Maria do Alecrim – não digo que as outras não o são – a quem São Pedro deve já avultado número de benefícios, procurou-me na igreja, para dizer-me que uma senhora lhe tinha pedido adotasse para ela mais um anjo.

Impossível, não há mais!

Na tarde do mesmo dia uma carta do interior veio trazer-me idêntico pedido da parte de um devoto de São Pedro.

A resposta foi inexorável.

Impossível, não há mais!

Mas, olhe! São Pedro! Este negócio não vai.

Não posso tirar todos os anjos do Paraíso para metê-los em cima da torre… é preciso fiquem ainda para as outras torres, que brevemente vão construir os demais vigários da Diocese.

Temos que dar jeito!

Não posso recusar estas ofertas, e não há mais lugar para outros anjos.

Eis um alvitre que, de certo, hão de aceitar os bondosos ofertantes.

Temos os anjos, temos São Pedro, cuja despesa corre a carga da Casa Lafayette, porém nem os anjos, nem São Pedro, podem ficar suspensos no ar é preciso, pois, pedestal, cúpula, ornatos, balaustrada, etc.

O pedestal de São Pedro, superando de quase um metro a cúpula da torre, deve ser uma obra bela, estética, um verdadeiro trono, para que São Pedro não fique com demasiada saudade do seu trono no Céu.

Este trono ficou orçado em 100$000. Quem quer fornecê-lo, pagando a respectiva despesa?

É a primeira oferta.

Seria bom que fosse pintada, de cor natural, a óleo, a estátua de São Pedro; para melhor conservá-la e dar-lhe uma expressão mais viva.

Outra despesa orçada em cerca de 100$000.

Quem vai fornecer a tinta para São Pedro? Segunda oferta.

A torre deve ser rematada por uma elegante cúpula de cimento armado, tipo da cúpula de São Pedro de Roma em miniatura.

Que belo presente a oferecer a São Pedro, por uma pessoa mais favorecida pela fortuna. A cúpula é orçada a 300$000. É um presente régio.

Terceira oferta.

A cúpula será cercada por uma balaustrada elegante, como para defender o trono de São Pedro.

Outro presente: a balaustrada fica orçada em 150$000.

Uma ninharia para gente de boa vontade. E aqui há tanta dessa gente!

É por isso, sem dúvida, que a nossa capital foi chamada Natal, pois, foi neste dia que os anjos cantaram "Paz na terra aos homens de boa vontade!"

Eis quatro propostas capazes de fazer os generosos ofertantes, e mais outros.

Em vez de um anjo, encarregar-se-ão de uma destas obras necessárias, contribuindo destarte ao acabamento da fenomenal torre de São Pedro.

É bom não demorar, senão pode acontecer, o que aconteceu com os anjos da torre: - não haver mais lugar.

Olhe! São Pedro! O negócio é sério, continue lá na propaganda interior, enquanto o Diário se encarrega da propaganda exterior e eu de rabiscar tiras de papel, artiquetes que me valem a raiva do Satanás, ao ponto de ele ameaçar enforcar-me pelo bigode.

Olhe! São Pedro, conto com seu auxilio.

Então, até breve… Imitem o gesto do Dr. Xavier Montenegro, o primeiro adotante: Mãos a obra; dois dedos no cofre para daí sacar uma ou duas pelegas e logo com carro automóvel e ao Alecrim, para chegar primeiro.


 


 


 


 

Residência dos Missionários da Sagrada Família no Alecrim – Natal – RN


 


 


 


 

08-            LÁ VAI O SÃO PEDRO


 

Diário de Natal, NATAL – RN – 08 de Fevereiro de 1928.

P. Julio Maria De Lombaerde


 

Nove horas da manhã…

Um céu azul-marinho… sol claro e alegre… brisa potiguar, isto é, fresca, agradável, reconfortante.

Uns flocos de nuvens, alvas como o algodão do Rio Grande do Norte, passam por cima da torre de S. Pedro, no Alecrim.

Atrás dessas nuvens, meio transparentes, aparecem, como silhuetas luminosas, umas cabeças de anjos, olhando para baixo e sussurrando no ouvido uns dos outros:

Olhe! Lá vai o São Pedro!

E a brisa matinal, sobre suas asas etéreas leva através do firmamento o leve sussurro, fazendo-o ecoar entre as nuvens:

Lá vai o São Pedro!

E lá, em baixo, na terra, à beira do imenso oceano, no meio de um verdejante coqueiral que cerca a cidade de Natal, em cima de uma torre alta e esbelta, vêem-se dois pedreiros, de blusa rasgada, de calça remendada (isso é estilo de pedreiro, sem este apetrecho é apenas um aluno de servente) de colher na mão, um olho fixo sobre o andaime e outro sobre um enorme caixão que vai subindo (Isso é também especialidade de pedreiro, olhar para dois objetos, sem vesguear).

Em baixo da torre três serventes, musculosos, de cabelo arrepiado, de tez queimada e mãos calejadas, puxam uma corda, fazem subir um caixão…

Bons rapazes, puxam, suam, cospem nas mãos, puxam de novo, enxugam a fronte gotejante, olham para cima, olham para baixo, e gritam alegres!

Lá vai o São Pedro!

Em cima, nas alturas, atrás das nuvens diáfanas, reaparecem as cabecinhas de anjos murmurando mais forte:

Lá vai o São Pedro!

O ater do firmamento, tal alto falador da terra, espalha a grande nova… corre... voa, e em breve os planetas de Vênus e de Marte ouvem ecoar por cima de suas planícies e montes as palavras:

Lá vai o São Pedro!

Voa sempre, repercutindo por cima do mundo planetário.

Júpiter sente um calafrio percorrer suas montanhas de gelo.

Até o velho Saturno, sacode seus anéis volumosos.

E a grande notícia, tal uma corrente elétrica, percorre a imensidade ecoando em toda parte.

Lá vai o São Pedro!

Sentado no pórtico da celeste mansão o claviculário do Céu ouve, como o ruído longínquo do trovão, subir o rumor…

Ele levanta a cabeça, escuta…

O rumor vai se precisando, toma a tonalidade de uma voz poderosa, e em breve penetra o pórtico do paraíso, repetindo:

Lá vai o São Pedro!

O porteiro do Céu ajusta os óculos, troce o bigode, alisa um instante a barba de pescador, e, sorridente e paternal, sai do pórtico para olhar o que se está fazendo lá em baixo…

Era no momento em que o caixão alcançava a cúpula, sob o esforço animado dos mestres e serventes pedreiros da torre.

- Vamos lá rapaziada, grita o mestre.

- Está indo, seu mestre.

- Mais um pouco, puxe com força!

- E os rapazes a suarem gotas do tamanho de um feijão.

- Oh! São Pedro pesado! Geme um.

- Estou com as mãos em carne viva, chora outro.

- E eu estou com o torcicolo, de olhar para cima, suspira o terceiro… e

Lá vai o São Pedro!

Vai subindo sempre… Trinta metros de altura, parece à rapaziada a distância entre a terra e a lua.

E lá em cima o mestre pedreiro, enxugando a fronte e o nariz com a manga da blusa, estende a mão para segurar o caixão enorme.

Pronto! Rapazes, devagar, deixem-me segurar o bloco.

Um, dois, três; está firme; muito bem; amanhã vocês recebem a recompensa.

Hup! Gritou um dos serventes. Valha-me Nossa Senhora de fazer subir todos os dias um tal S. Pedro, em cima da torre.

Os transeuntes param… o bonde retarda a sua marcha, enquanto os passageiros, de pescoço alongado, mão na testa em forma de abajour, de olhos esbugalhados fitam o caixão que vai subindo, e repetem a exclamação:

Lá vai o São Pedro!

E lá nas alturas, muito além dos planetas, estrelas visíveis e invisíveis, apoiado sobre a balaustrada de ouro do Paraíso celestial, São Pedro fica olhando para o Alecrim, sorrindo e paternal, e, ao ouvir a alegre exclamação, de todos os lados da terra e do firmamento repetida, ele matuta de si para si.

Boa gente… esta gente de Natal!

Não fossem meia dúzia de capa-verde e três e meia de espíritas que desfiguram o quadro risonho, eu dava um abraço em todos eles.

Mas, deixe estar, não são tão ruins como parecem, são uns pobres ignorantes… uma vez em cima da minha torre do Alecrim, quero ver se não reconduzo estas pobres ovelhas ao grande aprisco do meu divino Mestre, até formar – como ele mesmo disse – um só rebanho e um só Pastor!

E enquanto São Pedro estava assim delineando planos de futuro,

Lá foi o São Pedro.

Tomando posse do seu novo trono, e na hora em que os amigos do Diário estão lendo as noticias da Torre de São Pedro.

Se quiserem ver ainda vão depressa... porém não deixem de levar uma esmola para terminar as obras, senão eu deixo de escrever historias.


 


 


 


 


 


 


 


 


 

09-            LÁ ESTÁ O SÃO PEDRO


 

Diário de Natal – NATAL – RN, 11 de fevereiro de 1928

P. Julio Maria De Lombaerde


 


 

O São Pedro da torre está em fim em cima da torre de São Pedro.

Não é pouca coisa!

Nos três meses azafamados que acabam de passar, criei mais duas dúzias de cabelos brancos e 32 fios pelosos prateados no queixo inferior.

Não é tudo de querer construir torres e igrejas.

Antes de terminar, é preciso contar com o seu peso de criticas, de gracejos, de burlas, de mofas, de zombarias, de insultos e outras asnices de asnidades de vocabulário asnático.

Não há dúvida; o tal vocabulário fazia a alegria dos santos, porém não deixa de dar enxaqueca a quem não é ainda santo, e de pintar os cabelos ao ver os outros pintar as canecas ou o bode.

Entretanto, apesar de tudo isso:

Lá está o São Pedro!

Lá está e nem as criticas dos protestantes, nem a troça dos espíritas, nem a raiva dos ímpios, nem as mofas dos boemios, nem as invejas dos orgulhosos, nem as asnices dos viúvos e viúvas alegres, nem os gracejos dos pés rapados, farão descer do seu alto trono, o nosso bom São Pedro.

Lá está e lá fica!

É mais fácil criticar que fazer; e por cúmulo de desgraça "quem menos entende da arte, mais critica o artista" como "quem menos sabe, mais fala", porque um barril vazio, quando o arrastam, mais zoada faz que um barril cheio.

São uns barris vazios que gemem pela estrada:

A torre não agüenta!…

Este negócio cai já e já!…

Os alicerces não suportam o peso!…

A altura é exagerada!…

Está desproporcionado!

E o São Pedro, como hão de subi-lo; é impossível!

E o peso de São Pedro esmagará a cúpula! etc. etc.

Quantas jerimiadas inúteis de quem nem patavina entende de arquitetura ou de constrição.

Verdade é que é raríssima exceção quem anda com tanto pessimismo.

Pois fiquem sossegados: A torre de São Pedro está em pé, firme e inabalável.

O São Pedro com 2m50 de altura, e o peso de uns 400 quilos está em cima de seu trono, igualmente firme e inabalável.

E com tanto peso e tanta altura, os alicerces agüentam, a torre não ruiu, conforme a profecia dos profetas espíritas e as perdições da Bíblia protestante.

Lá está o São Pedro!

Não em carne e osso, porém em cimento e semelhança.

Não para ser adotado como dizem os maninhos de Lutero, mas para ser honrado e venerado como sendo o retrato, a imagem do Chefe dos Apóstolos, do primeiro Papa nomeado pelo próprio Jesus Cristo.

Não está de todo terminada a torre; faltam ainda os quatro anjos, falta a limpeza, as molduras, os capitães, porém demos tempo ao tempo e tudo há de fazer-se. Os quatro Anjos estão pagos, e breve eles hão de ocupar seus lugares de honra, nos quatro cantos da torre.

O Anjo da Justiça, do Dr. Xavier Montenegro.

O Anjo da Fortaleza, do Navegante.

O Anjo da Prudência, do cel. Rosendo Fernandes.

O Anjo da Temperança, dos quatro filhos de uma senhora anônima.

O artista Hostílio Dantas produziu já, além de outras, uma obra prima, que há de imortaliza o seu nome, saberá continuar esta tradição de gloria pela confecção dos Anjos.

A casa Lafayette cumpriu a promessa feita e pagou o material da estátua de São Pedro.

Os srs. Senna & Irmão, do Alecrim, fizeram a despesa de instalação eletrifica da torre, sendo o grande foco em cima de São Pedro, e as quatro lâmpadas dos Anjos.

O Sr. Abel Barreto e esposa fizeram à despesa do novo altar de Maria Santíssima, na igreja.

Distintos amigos presentearam São Pedro com cimento, trilhos, tijolo, etc.

É graças a benevolência e a generosidade do nosso povo de Natal que em fim, em cima de seu tono de 30 metros de altura, domina a cidade inteira.

Lá está o São Pedro!

Lá está e lá ficará, como um monumento religioso, expressão digna de nossa fé, de nosso patriotismo, de nosso bom gosto e de nossas aspirações de progresso.

Será uma lembrança de nosso querido bispo Dom José Pereira Alves.

Será uma lembrança de quantos nos prestaram auxilio e conforto.

Para mim, será também uma lembrança do dedicado Pe. Agostinho, que tanto se tem emprenhado para procurar recursos e auxílios para o grande empreendimento.

É graças à sua operosidade, e à dedicação de umas almas piedosas que temos recebido muito material necessário, de modo que hoje:

Lá está o São Pedro!

Amanhã, terá lugar a solene inauguração do monumento.

- Ás 16 horas o preclaro diocesano há de benzer a estátua, havendo nessa ocasião salva de 21 tiros pelos prefeitos da Liga Católica, seguida de girândolas de foguetes, música, aclamações etc, etc, etc.

Há de ser, como diz o caboclo, um festão nunca visto.

Ninguém deve faltar...

Preparem-se os fotógrafos para baterem belas chapas da festa e do monumento... pois todos hão de querer adquirir uma lembrança da inauguração de S. Pedro da torre.

Continuará a festa das 16 até 23 horas, havendo à noite iluminação da torre e de São Pedro.

É nesse momento, sobretudo, que há de levantar-se de todos os peitos a alegre aclamação:

Lá está o São Pedro!

Viva o São Pedro!

    


 


 


 


 

Missionários da Sagrada Família em Ceará – Mirim.

Padres: Nolte, Bechold e Michael.


 


 


 


 


 


 


 


 

10-            VIVA O SÃO PEDRO!


 

Diário de Natal – NATAL – RN, 12 de fevereiro de 1928.

Pe. Julio Maria De Lombaerde


 

Quando, após muitas delongas, volta ao torrão natal, um patrício de relevo, os amigos procuram fazer-lhe uma recepção condigna.

Quando um benfeitor insigne das causas públicas ou particulares, faz anos ou celebra suas bodas de prata ou de ouro, os beneficiados entronizam solenemente o retrato do homem ilustre.

Essas alegrias e essa gratidão manifestam-se a maior parte das vezes nuns Vivas estrepitosos, e sendo fora da urbs nos foguetes mais estrepitosos ainda como se quisessem comunica ao Céu a alegria da terra.

Viva o coronel!… Viva seu doutor! E todos repetem com entusiasmo, senão com sinceridade: Viva! Viva!…

O brado é curto, porém expressivo.

As banalidades da vida festejam-se com grandes e burilados discursos, ocos como tronco de coqueiro e rutilantes como as folhas do mesmo.

As grandes alegrias, como as grandes dores, senão mudas, são pouco variadas em sua manifestação.

A alegria tem seu brado: VIVA! Como a dor tem seu gemido: Meu Deus!    

Poucas palavras, porém, repetidas e acompanhadas de fragor.

A alegria faz gritar, como a tristeza faz chorar.

A alegria faz pular, como a dor faz deitar-se e gemer.

Em um e outro caso é preciso azoada, para sossegar e acalmar o excesso.

Viva, é, sem dúvida, o resumo das grandes alegrias, como Morra é o brado sinistro do ódio e da revolta.

Um foguete é como a irradiação de uma alma alegre e expansiva, como o abraço e o beijo é a irradiação de um coração amante. É uma necessidade da vida.

É o que se vai ver hoje à tarde na ocasião da inauguração do monumental São Pedro da torre.

O Rio Grande do Norte inteiro conhece hoje o São Pedro da torre. É um amigo conhecido por todos, e por todos simpatizado, até pelos capa-verde, espíritas e outros zeros religiosos.

São Pedro, graças à sua torre, tornou-se um santo popular.

Eis porque hoje à tarde, o Alecrim não caberá o povo que há de afluir ao santuário do santo… Será gente e mais gente, de todas as categorias, classes, cores, tamanhos, grossuras e alturas, gente bonita e feia, gente nova e velha, flores em botão e murchas… porém, tudo isso alegre, risonho, expansivo.

E toda essa multidão bradará a uma voz como de um coração:

Viva o São Pedro da Torre!

E lá no céu os anjos continuarão, partilhando da alegria da terra!

Viva!… Viva!…

Mas não basta isso: todo canto quer um acompanhamento. E nem a afinada banda do 29 Caçadores seria capaz de acompanhar o brado de 10.000 peitos. É preciso uma orquestra de foguetões de bombas e tiros.

É preciso que o firmamento recolha a nota grandiosa da alegria geral, e transmita ao mundo inteiro, pelos rádios, o entusiasmo do povo de Natal.

Haja pois, bombas, haja girândolas de foguetes, haja vivas, haja música… em honra de São Pedro.

Viva o São Pedro da torre.

Viva!… Viva!…

Quem sabe se lá no celestial paraíso, São Pedro ao ouvir as trovejantes aclamações não pensará ser uma erupção súbita do sinistro Lampeão, querendo invadir o Céu e roubar as coroas dos Santos.

Ao ouvir, porém, em vez de gritos frenéticos de ódio e de morte, o brado afetuoso de Viva São Pedro! Ele há de olhar para esta multidão imensa, com seu bom sorriso de Apóstolo e de amigo do Cristo!

Quantas boas almas ele há de encontrar nesta aglomeração.

Haverá sem dúvida curiosos, indiferentes, haverá espectadores insensíveis, porém gente ruim não haverá.

Aliás, em Natal só há gente boa, pela razão simples que gente sem religião não é gente… é outra coisa!

Então, todos a postos. A grande festa começa às 16h00min horas em ponto, marcadas pelo relógio da torre, que não existe ainda, mas que breve qualquer boa alma há de oferta a São Pedro.

Ás 16 horas, repique de todos os sinos da torre (só há um) seguido de uma salva de 21 tiros, pela Liga Catódica.

Durante esse tempo será removido o pano que encobre o São Pedro, e descerá uma fita imensa enfeitada dos pés da estátua, a que deverão segurar os paraninfos do santo; segurarão com a mão direita em quanto com a esquerda oferecerão uma pequena esmola ao afilhado, que será recolhida por gentis mocinhas.

Nesse momento fará a entrada solene o Exmo.sr. Bispo, sob a aclamação do povo.

O digno prelado, do alto do estrado que será preparado, dirigirá ao povo palavras encantadoras que dita seu coração de pai, e que sabe fazer ressoar tão sublime sua voz de orador.

Após este discurso será benta a imagem de São Pedro, enquanto centenas e centenas de foguetes subirão aos ares, e a música dos Caçadores, gentilmente cedida pelo seu distinto comandante, executará um de seus mais belos dobrados.

Se qualquer orador quiser usar da palavra, ser-lhe-á facultada na ocasião.

Os homens da Liga Católica, uniformizados, insígnia ao peito e estandarte desfraldado, formarão a guarda de honra do Exmo.sr. Bispo, ficando eles encarregada de zelar pela ordem dos festejos.

Na praça, haverá alegre barraca, doces, sorrisos, aclamações, música, até ás 23 horas.

Ás 19 horas haverá bênção do Santíssimo e reunião dos 530 homens da Liga Católica, presidida pelo Exmo.sr. Bispo, que lhes fará empolgante conferência.

Depois da Conferência, será iluminada a torre de São Pedro e a festa continuará com música até 23 horas, repetindo-se foguetes e, sobretudo aclamações de.

Viva o São Pedro!

Se quiserem ver ainda, vão depressa… porém não deixem de levar uma esmola para terminar as obras, senão eu deixo de escrever historias.

E eu estou satisfeitíssimo, porque vejo os outros satisfeitos, e subindo na alta torre pra continuar os trabalhos, vou repetindo:

Viva o São Pedro da torre!

E os pedreiros não deixaram de responder:

Viva! Viva!


 

11-        O TRIUNFO DE S. PEDRO


 

Diário de Natal, 19 de fevereiro de 1928.

Pe. Julio Maria.


 

A festa de domingo passado foi bem o triunfo de São Pedro.

É nestas ocasiões que se pode ver em toda sua beleza a fé do nosso povo e o seu apego à santa religião de Jesus Cristo.

São Pedro está enfim em cima da sua torre, dominando a terra e o mar, mostrando a todos, os símbolos da santa e eterna religião que ele representa.

Dar-te-ei as chaves do reino do Céu, havia lhe dito o divino Mestre e eis que São Pedro levanta para o Céu as chaves simbólicas de sua autoridade e de seu poder.

E, enquanto a mão esquerda segura as chaves, na mão direita destaca-se o livro dos Evangelhos, de que ele é o Depositário, o interprete, o Doutor infalível, conforme a palavra divina: Pedro roguei por ti, para que a tua fé não faleça, e uma vez convertido, confirma os teus irmãos.

Há vinte séculos que Pedro, sempre vivo na pessoa dos seus sucessores, dominando as paixões, os tempos e as revoluções, confirma os seus irmãos, sustenta a Igreja Católica, fundada sobre ele como, sobre um rochedo eterno.

É tudo isso que parece proclamar o São Pedro da torre.

Lá está ele, o Pescador da Galileia, feito pelo Cristo, pescador de homens, triunfante dos Césares que o martirizaram e triunfante dos modernos pigmeus ateus que o combatem.

Lá está o São Pedro!… e foi para aclamá-lo que lá estava, domingo, enchendo a praça da matriz e as ruas adjacentes, a imensa multidão de católicos, computada em 8 a 10 mil pessoas.

Foi um triunfo!

Não foi somente o Alecrim que lá estava representado, foi a cidade inteira… a cidade em peso.

Os paraninfos, com uma pressurosa delicadeza, compareceram quase todos ao convite do vigário, a ponto que os setenta metros de cabo, que pendiam dos pés de São Pedro tal imensa fita paraninfal mal chegava, para dar um lugar saliente aos ilustres convidados.

Desde o representante do Exmo.sr. presidente do Estado, Dr. Juvenal Lamartine, percorrendo a escala das autoridades religiosas, civis e militares, até ao humilde operário, tudo ali rivalizava para realçar a imponente festividade.

Ás 16 horas em ponto, chegou o Exmo.sr. bispo Dom José Pereira Alves, que foi recebido pelos 500 homens uniformizados da Liga Católica, com girândolas de foguetes e aclamações do povo, manifestando mais uma vez quanto venera e ama o ilustre Príncipe da Igreja, que brevemente vai deixar a cidade de Natal, porém sem deixar o coração dos seus habitantes.

Dom José, com seu conhecido acento de fé e de orador Sacro, e mais ainda com seu grande coração de Pastor, empolgou o imenso auditório e despertou retumbantes vivas a São Pedro.

Na ocasião da benção da imagem, enquanto um dos operários retirava a bandeira nacional, e que o ilustre diocesano, em paramentos episcopais, lançava para o Céu a benção da igreja, uma estrondosa salva de 21 tiros atroou pelos ares, e de milhares de peitos ecoou pelo espaço a aclamação triunfal: Viva São Pedro!

Viva o São Pedro da torre!

Viva! Viva!

Foi um momento de palpitante alegria, de exuberante entusiasmo que só sabem provocar a religião e o patriotismo.

Centenas e centenas de foguetes lançados de todos os lados pelos particulares, tonitroavam pelos ares, dando à festa uma nota popular e espontânea.

Viva, o São Pedro da torre!

Quanto a mim, estou recitando o meu "Nunc dimittis servum tuum, Domine, in pace".

Meu plano… ou melhor, o plano do povo, está realizado… Havia já anos que se gemia sobre a torre inacabada de S. Pedro.

A torre enfim levanta-se altaneira e majestosa para o azulado do Céu, coroada pela bela estátua do seu padroeiro São Pedro.

A estética está satisfeita. A população está contente. O São Pedro está triunfante.

Ao terminar esta última notícia sobre o São Pedro, devo agradecer mais uma vez a generosidade e as finezas dos benfeitores que nos permitiram realizar esta obra.

Raras vezes, talvez, um empreendimento tenha encontrado tamanho e tão decidido apoio tanta boa vontade da parte dos governantes e governados, ricos e pobres, amigos e inimigos.

O exmo.sr. Bispo tem sido a alma deste trabalho isso e sua palavra paternal continuadamente nos tem estimulado e animado.

O digno presidente do Estado, Dr. Juvenal Lamartine, mais de uma vez tem nos mostrado o seu apoio, e fez representar-se pelo seu oficial de gabinete e ajudante de ordens na inauguração da estátua.

O digno Clero Rio - grandense inteiro tem se mostrado solidário nessa campanha religiosa da igreja de São Pedro.

Quanto ao ilustre artista Sr. Hostílio Dantas não sei como manifestar-lhe a minha gratidão.

Ofereceu-se espontaneamente, desde o principio, para modelar a imagem, e correspondeu tão bem à expectativa geral, que o São Pedro da torre será para o presente e porvir o diploma popular, do gosto artístico, e da capacidade do já reputado patrício.

O seu nome ficara ligado à bela obra que produziu; e falando-se da obra prima, a de falar-se do artista: Hostílio Dantas.

Muito devemos ainda ao distinto e cavalheiroso Dr. Cícero Aranha, ao Sr. Antonio Arthur, à Casa Lafayette, a Casa Senna e irmão do Alecrim e muitos outros benfeitores.

Não devo silenciar o nome do mestre     que presidiu, dirigiu e muitas vezes inspirou as obras da torre, o sr. Francisco Daniel, que desempenho-se admiravelmente na confiança que nele depositamos.

É a sua operosidade e capacidade técnica que somos devedores das linhas harmoniosas da grande torre. Mostrou-se, além de um operário hábil, um arquiteto consumado e prático.

A todos, meus sinceros agradecimentos e para todos uma prece ao Céu para que Deus lhe retribua o bem que fizeram às obras religiosas da terra.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

Pe. Martinho Steuzel e Dr. Ivan Cavaliere            Pe. Martinho é interrogado por Dr. Ivan

na casa onde Padre Júlio morou – julho de 1976


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

12-            A TORRE DE S. PEDRO

NATAL

P. Julio Maria


 

Fiquei com saudades da torre de São Pedro.

É curioso como o coração humano lança raízes em toda a parte… até nas pedras de uma torre!

Dizem que o coração é mole. Pode ser; porém o certo é que tem raízes duras, penetrantes, que sabem fixar-se, segurar-se até no cimento armado de um edifício.

Verdade é que, se tinha apego à torre de São Pedro, mais apego e amor tinha àqueles que me cercavam e auxiliavam no lufa-lufa da construção e do ministério das almas.

Depois que deixei Natal em demanda de outras terras, navegando rumo ao sul, percorri cidades florescentes, banhadas de sol, de arte e de progresso, vi santuários ilustres, igrejas artísticas, porém fiquei sempre com saudade da torre de S. Pedro, fiquei com saudades dos amigos de Natal, dos homens da Liga Católica, do Diário e dos seus redatores.

No Rio cosmopolita, em meio do fervilhar do povo, no ritinir dos bondes e no cintilar das artes, enquanto os olhos do corpo olhavam, o meu espírito, como preso por laços invisíveis voava, ao longe, sobre a terra potiguar, e quando o meu companheiro perguntava: Que tal?… Não é belo?… tinha vontade de responder: "Isso não vale o S. Pedro da torre".

Moleques e molecotes gritavam pelas ruas e avenidas, apresentando jornais e revistas… comprei um… olhei e ia repetindo: Isso nem vale o nosso Diário de Natal.

Celebrei e preguei em diversas igrejas; vi homens e mulheres freqüentar a igreja e os Sacramentos, apresentaram-me os moços católicos da Matriz da Lagoa e os homens de Petrópolis, onde fui ouvir uma conferência do padre João Gualberto; porém, quase escandalizei o meu companheiro quando respondi à pergunta se aquilo não era belo.

"Isso não vale os meus 540 homens da Liga Católica do Alecrim"

Coisa curiosa a saudade!

Tudo perde o seu valor, o seu brilho, a sua arte e o seu entusiasmo, para só deixar aparecer num como nimbo glorioso, aquilo que se ama e que se colocou no altar do seu coração.

Nem eu mesmo julgava estar tão identificado com as pessoas e coisas de Natal.

Coloquei Natal no centro do meu coração… ou o meu coração ficou preso em Natal?

Não sei!… Que o digam os fisiologistas e psicologistas.

O que sei é que não me esqueço de Natal.

O que sinto é que continuo a amar àqueles e aquilo que lá amava.

O que experimento é que o corpo pode ausentar-se sem que o coração se desprenda do lugar.

Quando vejo qualquer torre, penso na torre de São Pedro.

Quando encontro qualquer imagem de Santo, penso no São Pedro da torre.

Quando se apresenta qualquer reuniões de homens, penso em meus queridos homens da Liga Católica.


 

Quando presencio um grupo de crianças, penso em meu grupo alegre de criancinhas do Catecismo.


 


 

Quando estou pregando em qualquer igreja, meu olhar procura na multidão qualquer conhecido de Natal.

E quando leio o jornal, penso nas polêmicas do Diário de Natal… Isso já é moléstia.

Ah! Se tivesse para cá qualquer consultório gratuito, como aquele do bom Dr. Ricardo Barreto, no Alecrim, eu já lá teria ido, apresentado o pulso, mostrado a língua e o coração para saber de que moléstia estou sofrendo.

E ouço daqui a gargalhada do ilustre clinico, gritando bem alto:

Sua moléstia… mas é a torre de São Pedro!

Só fazendo aqui outra torre, para matar as saudades da primeira; porém, falta-me o padre Agostinho para dar um furo na bolsa dos amigos,… Falta-me um Hostílio Dantas, para fazer a estátua e um Francisco Daniel, para fazer a torre…

Falta-me o Diário, para aborrecer a gente com artigos sobre a torre de São Pedro…

Falta-me até o pessimismo dos críticos que acham que a torre não se agüenta… que o São Pedro não suporta as ventanias… Falta-me até a gargalhada dos capa-verde, que ameaçam com um sorriso evangélico, de arrancar a barba de São Pedro e do frade.

Tudo isso falta… pois tudo isso ajuda nas empresas… e tudo isso deixa imensas saudades.

É por isso que estou sempre lembrado de Natal.


 

***


 


 


 


 


 

13-        A TORRE DE SÃO PEDRO


 

(data ignorada)

P. Julio Maria de Lombaerde


 

Há uns dias recebi uma carta do bom Padre Agostinho, falando naturalmente – da torre de São Pedro.

Ex abundancia cordis os loquitur, diz a Sagrada Escritura. A boca fala da abundância do coração.

O Padre Agostinho ficou tão identificado com a torre, que ver um é pensar no outro.

Imagine pois a notícia que ele me transmitiu!… havia notícias nas linhas e entre as linhas, nos pontos e nas vírgulas, na caligrafia e no estilo.

E eu aqui a ler e a reler tantas boas noticias, olhando ora a carta, ora pelo firmamento, julgando ver aparecer, através das nuvens brancas o perfil majestoso, esbelto e altaneiro da torre de São Pedro.

Fiquei literalmente rindo nas barbas.

"Estamos terminando, a torre de São Pedro, escrevia-me o grande amigo de Natal; os quatro Anjos estão já colocados em seus respectivos nichos, tendo na mão o farol e iluminando não somente a torre, mas ainda a praça e a vizinhança".

Parei e fiquei olhando, cismando, quase sonhando, vendo, de longe, estes quatro anjos iluminando com seus archotes a fachada da torre, e projetando na imensidade do firmamento o perfil da balaustrada da torre, e da imagem de São Pedro.

E vi passar diante de mim todo o trabalho, as preocupações, a paciência para alcançar este resultado.

Vi os pedreiros suar, medir, cimentar as estátuas, vi o Francisco Daniel estendendo o prumo, acertar o nível, bater à direita e à esquerda, contemplar com orgulho sua primeira obra de escultor.

Vi o padre Agostinho, de batina rasgada, de chapéu velho, subir nas escadas, andar nos andaimes, verificar as linhas e a firmeza, segurar os anjos, experimentar a luz, e enfim gritar bem alto:

Pronto! Lá estão, fazendo companhia a São Pedro!

Vi o sol deitar-se atrás dos altos coqueiros da cidade, dourar no fundo as águas do Potengi…

Vi a noite descer sobre a torre e sobre a cidade, enquanto o bonde de Alecrim, trazia os operários da cidade, que, cansados e ciosos de repouso, olhavam para a torre de S. Pedro.

Ouvi os transeuntes exclamarem alegres: Isso sim!… bonito! Muito bem! Padre Agostinho merece uma medalha!

E no canto, o olhar aborrecido e pouco evangélico, um capa verde, desviando a cabeça, enquanto um mansinho pentecostalista lhe sussurrou no ouvido.

Olhe, irmão, mais um ídolo, em cima da torre, falta só por ai a imagem robusta de Satanás.

Felizmente foi ouvida a observância de escrever um artigo para agradecer os generosos benfeitores da torre.

Oh! Então, verá um artigão de oito tiras; porém antes, leve ai uns 10$000 para
o Alecrim.


 

14-        A TORRE DE SÃO PEDRO


 

Sem data

Padre Julio Maria De Lombaerde


 

Uff!… a terra de Minas, nem parece terra Brasileira. Em toda parte encontrei calor, e aqui a uma altura de 600 metros, faz um frio capaz de ranger os dentes a um frade de pedra como a torre de S. Pedro faz ranger os dentes dos capa verdes, e como o S. Pedro da torre faz ranger os molares do Satanás; e isso apesar do calor pouco comum da geena.

Foi no meio do frio matinal que de repente vi entrar o telegrafista, tendo na mão o papel esverdeado do telegrama.

O rapaz deu um sorriso, que parecia torcer o nariz purpurino, rocheado pelo frio, enquanto me entregou o papel…

Que será?

Um telegrama de Natal!

De Natal?

Que será isso? O homem é assim feito que sempre inclina para o pessimismo, e cisma de tudo.

Que será gente?

A torre de S. Pedro; só pode ser isso; mas qual será a noticia: obra parada, por falta de cobre… ou padre. Agostino doente… Quem sabe. Mil e uma perspectivas apresentaram-se me ao espírito, enquanto rasguei o envelope.

Pronto: Padre Julio – Maria. Vigário – Manhumirim.

Torre de São Pedro pronta.

Mariano.

Homesse!

Quase gritei: Viva São Pedro!

Viva o povo católico de Natal.

Lá está, pois o São Pedro dominando a simpática cidade de Natal; lá está a torre, monumento que proclama bem alto a generosidade do coração do nosso povo potiguar.

Lá está o São Pedro dominando o bairro do Alecrim, onde antigamente dominava o protestantismo e o espiritismo.

Lá está ele, o padroeiro dos 500 homens da Liga Católica, mostrando-lhes o Céu e espalhando no firmamento a luz do seu farol, como ele espalha nas inteligências a luz da verdade.

E, ao lembrar o tempo passado em meio do meu querido rebanho do Alecrim; no meio das criancinhas do Catecismo, e ao lado dos meus homens, que sempre foram, como o disse o padre Antonio em seus Pontos e Vírgulas a menina dos meus olhos, esqueci-me um instante do frio matinal de Minas, e senti uma como faísca de calor, percorrer-me as veias.

Durante muito tempo fiquei fitando o cume do Caparaó que se eleva em frente da minha nova paróquia, e através a neblina que o encobria, parecia ver a silhueta da torre de São Pedro, e por cima das nuvens, bem alto, o São Pedro da torre.

A torre estava, pois terminada…

Como o povo do Alecrim ia festejar este acontecimento que fará a sua glória e o seu orgulho.

Ouvi, até cá, ecoar a salva de bombas que soltaram neste dia, até com perigo de serem multados.

Mas pouco importa, tal alegria bem vale uma multa de uns mil reis.

Vi e senti a alegria do padre Agostinho que tanto trabalhou para chegar ao termo da obra, como vi a satisfação de todos os generosos benfeitores que nos ajudaram na árdua tarefa de levantar este monumento.

Meus parabéns, ao Diário, que tanto serviço prestou nesta campanha da torre de São Pedro.

Parabéns, padre Agostinho, que tanto te cansaste para levar a termo a obra da igreja.

Parabéns, senhoras e moças que tão abnegadamente nos ajudaram pelas festas, barraquinhas e pedidos.

Parabéns, queridos homens da Liga, que animais este São Pedro pela vossa fé e o vosso hino triunfal "Queremos Deus", que é nosso Rei.

Parabéns a todas as almas generosas de Natal, que tão generosamente nos traziam o seu óbulo e o seu sorriso da animação.

Parabéns, enfim, ao glorioso São Pedro que soube inspirar tão bem o povo e guiar tão bem mestres e artistas.

Parabéns ao Hostílio Dantas, autor do São Pedro; ao Francisco Daniel, mestre construtor e escultor dos anjos, ao mestre João e auxiliares, que todos rivalizaram no glorioso afã de construir uma obra prima em honra de São Pedro.

Estou satisfeito, e espero, um dia, contemplar ainda de perto a bela torre de São Pedro, até dar um abraço no São Pedro da Torre.

O primeiro passo está dado. Após a torre: o interior. Faltam os altares de São Pedro e o do Coração de Jesus; espero que em breve, a igreja inteira ficará terminada e que o interior corresponderá ao exterior.

O povo de Natal é capaz de tudo o que é bom e nobre.

Consta que, em breve, Santa Teresinha terá também o seu Santuário.

Muito bem. Não desanime o bom Mons. Landim, e verão em breve seus esforços coroados do mais belo resultado.

Não esmoreça na sua bela iniciativa, mas coloque no altar da igreja nova, Aquela, que já reina no altar de todos os corações natalenses.

São Pedro será o símbolo de força:

Santa Teresinha o será da bondade;

São Pedro iluminará as inteligências;

Teresinha aquecerá os corações.

Meus parabéns a estas belas iniciativas e um amplexo fraterno em seus propagadores.


 

***


 


 


 


 


 

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